29 junho 2009

Hora de fazer a faxina

Com ascensorista ganhando mais do que presidente da República, decisões tomadas por atos clandestinos e multiplicação de mordomias, o Senado vê sua credibilidade ser corroída em uma crise histórica

O PATRIARCA Sarney, cada vez mais solitário na cadeira de presidente do Senado: a pressão pela renúncia vem até dos antigos aliados

O Senado Federal tem em seus quadros motoristas, ascensoristas e seguranças com salários superiores ao do presidente da República. Apesar da crise que abalou o mundo, lá não existem vestígios de desemprego. Mesmo com mais de 8 000 funcionários, há sempre uma vaga disponível para um parente, amigo ou correligionário dos parlamentares. O Senado também é invejado pelo tratamento que dá a seus servidores. Sua direção tem carta branca para aumentar os próprios vencimentos e se conceder privilégios, como promoções, plano de saúde vitalício e pagamento de horas extras, inclusive para quem não trabalha. E o mais impressionante: tudo pode ser feito na surdina, completamente às escondidas, de modo a manter as irregularidades longe dos olhos dos eleitores. Há cinco meses, o Senado Federal está se submetendo a um processo de implosão com revelações de casos de nepotismo, tráfico de influência, mordomias e corrupção envolvendo parlamentares e funcionários. Restou evidente que, há anos, o templo da democracia abriga um gigantesco mausoléu de más práticas políticas que não condizem mais com a realidade de um país que mira um ponto mais alto na escala de civilidade. Além dos copeiros e ascensoristas, o Senado precisa urgentemente contratar um faxineiro para limpar as sujeiras da instituição.

Fernando Sarney - Filho do meio de Sarney, o empresário utilizou o Senado para resolver um problema de família. Ele empregou um filho que teve fora do casamento no gabinete de Epitácio Cafeteira, velho aliado de seu pai. Quando a Justiça proibiu o nepotismo, o filho foi substituído pela mãe. Na prática, o Senado paga a pensão alimentícia que Fernando deveria pagar ao filho - Foto: Fabio Motta (AE)

O presidente do Congresso não parece ter saúde nem disposição para a missão, da qual declinou explicitamente em um discurso ao plenário. Desde que assumiu o cargo, em fevereiro, José Sarney tem sido diariamente confrontado com as mais variadas evidências de irregularidades, a maioria delas desencavada pelos repórteres da sucursal de Brasília do jornal O Estado de S. Paulo. Aos 79 anos, o ex-presidente da República está refém de suas próprias criações. A mais assustadora delas, o ex-diretor-geral Agaciel Maia, enriqueceu no posto chefiando uma administração paralela, clandestina, que usava para favorecer parentes, amigos seus e de parlamentares. Os atos clandestinos beneficiaram um mordomo, que recebia 12 000 reais de salário mensal do Senado, mas, por motivos óbvios, não trabalha lá, e sim na casa de Roseana Sarney, filha do senador Sarney. Por meios clandestinos também foi beneficiado outro membro do clã Sarney, João Fernando Gonçalves, neto do ex-presidente da República. Por fim, O Estado de S. Paulo revelou que José Adriano Sarney, também neto do senador, conseguiu uma autorização para negociar empréstimos consignados dentro do Senado. Segundo o rapaz, um economista de 29 anos de idade, sua empresa fatura perto de 5 milhões de reais ao ano.

Político há mais tempo em atividade no país, Sarney entronizou-se agora como símbolo do patrimonialismo, coronelismo e clientelismo que dominam a vida pública brasileira desde tempos imemoriais. Isso é justo com o velho patriarca, ex-presidente da República, o primeiro da era pós-ditadura militar, um homem afável e de vasta cultura, contrastante com a planície ágrafa que o cerca? Em política não existe justiça, mas perdedores e ganhadores. Os demais senadores, entre eles muitos que fazem a mesma coisa que Sarney, estão conseguindo que ele carregue sozinho nos ombros toda a culpa pelas escabrosas revelações das últimas semanas. Não por injustiça, mas por ver nele um perdedor do jogo político pré-eleição presidencial de 2010. Na semana passada, diante da pressão provocada pelas novas denúncias, Sarney criou o Portal da Transparência, com todos os dados de compras, nomeações e gastos do Senado. Os dados mostram, entre outras coisas, que o presidente tem uma legião de 120 funcionários à sua disposição. São ocupantes de cargos que estão subordinados diretamente a ele, que escolhe quem nomear e quando demitir. Entre eles há familiares, assessores que cuidam dos escritórios políticos de Sarney no Maranhão e no Amapá, administradores do Memorial José Sarney, em São Luís, parentes de lobistas, de magistrados e de correligionários, como a mulher e a filha do ex-senador Francisco Escórcio, um quebra-galho do grupo político do presidente do Senado, que já foi acusado de espionar senadores adversários durante o processo de cassação de Renan Calheiros.

Roseana Sarney - Filha mais velha de Sarney, Roseana renunciou há dois meses ao mandato de senadora para assumir pela terceira vez o governo do Maranhão. Mesmo fora do Senado, ela manteve o mordomo de sua mansão em Brasília na folha de pagamento oficial, contratado pelo gabinete de seu suplente com um salário de 12 000 reais mensais - Foto: Ag. Titular

Sarney tem biografia e nome para, a esta altura da vida, estar distante das refregas mais rasteiras do mundo político. Mas ele nunca quis, ou pôde, se afastar dos cargos que conferem poder de nomear e influir. Sem isso, Sarney torna-se presa fácil para seus não poucos adversários. Além dessa circunstância, vale a pena investigar, munidos apenas dos mecanismos da psicologia mais comezinha e da história, o que leva um político a essa situação. A resposta mais lógica, amparada na história, é a fronteira indefinida e fluida entre o público e o privado na vida nacional. Quando d. João VI se mudou com a corte de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1808, os nobres foram alojados nas melhores casas da cidade, das quais os donos foram sumariamente expulsos. Mas não eram eles os proprietários? Eram. Até que uma necessidade específica do estado os privou do que parecia um direito adquirido. Na mão oposta, são incontáveis os casos de altos funcionários do império e da república que se valeram de suas funções públicas para satisfazer suas necessidades particulares. Sarney é um herdeiro dessa mentalidade, com raríssimas exceções, prevalente no Brasil.

Senadores foram à tribuna pedir que ele se licenciasse ou até mesmo renunciasse. "Há um mês eu dizia: é melhor o presidente Sarney sair antes que seja obrigado a sair. Hoje eu repito: é bom que o presidente Sarney largue a presidência antes que sua presença fique insustentável. Ele tem de sair. Se ele renunciar, isso termina hoje", afirmou Pedro Simon, do PMDB gaúcho. O PSOL apresentará na quarta-feira um pedido de abertura de processo de cassação contra Sarney. No mesmo dia, PSDB e DEM se reúnem para decidir se também pedem sua saída. Até os funcionários de carreira começam a revelar descontentamento. Em entrevista a VEJA, o consultor-geral adjunto do Senado, Alexandre Guimarães, desabafou: "Tenho vergonha de trabalhar no Senado" (leia a entrevista abaixo).

Sarney Filho - Um filho do deputado conseguiu uma autorização para negociar empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento dentro do Senado. Segundo o neto do senador Sarney, a empresa fatura perto de 5 milhões de reais ao ano. A Polícia Federal investiga o esquema de intermediação com a participação de funcionários do Senado - Foto: Janinie Moraes (ABR)

Acuado pelas denúncias que envolvem a família, cobrado por aliados e emparedado por oposicionistas, o presidente subiu à tribuna para um pronunciamento que chamou atenção pela tibieza: "Eu julguei que, quando fui eleito presidente, era para presidir politicamente a Casa, e não para ficar submetido a procurar a despensa ou limpar o lixo das cozinhas da Casa". Depois disso, desapareceu. Em nota, disse apenas que é alvo de uma campanha "midiática" por apoiar o presidente Lula. Sarney se apoia em dois pilares para se manter no cargo. O primeiro é a conivência dos senadores. A auditoria feita nos atos secretos mostrou que 37 senadores se beneficiaram das decisões secretas. O outro pilar é o apoio de Lula. Há duas semanas, o presidente disse que Sarney merecia um tratamento diferenciado pela biografia que construiu. Na semana passada, Lula voltou a defendê-lo publicamente. Nesta semana reunirá a coordenação política do governo para discutir uma saída para a crise do aliado. O presidente considera que seu enfraquecimento dificultará o apoio do PMDB à candidatura de Dilma Rousseff. E não suporta a ideia de o Senado ser presidido por Marconi Perillo (PSDB-GO), primeiro vice-presidente, adversário ferrenho e um dos denunciantes do mensalão.

Qual será o desfecho da crise do Senado?

O metabolismo mais comum dessas situações em Brasília é deixar naufragar seu rosto mais em evidência, no caso o de José Sarney, e declarar de pronto que todos os problemas estão resolvidos. Na sexta-feira passada, era enorme a tentação de repetir essa manobra tantas vezes feita com sucesso no Planalto. Mas desta vez pode não dar certo. Se Sarney não tem como escapar da condenação de ser o símbolo do atual estado de coisas, ele tem todas as condições de mostrar que seu sacrifício é suficiente apenas para dar um ar de volta à normalidade ao que, com certeza, não é normal. Basta contar o que ele sabe. Com um Brasil que dá certo em todas as outras frentes, o bastante provável é que, quando se debruçarem sobre este ano do Senhor de 2009, os analistas no futuro vão descrevê-lo como aquele em que a política em Brasília deixou de ser nossa vanguarda do atraso.

"O Senado me envergonha"

PROTESTO E DESABAFO - O servidor Alexandre Guimarães e os quatro contracheques que recebeu em junho com o salário e os penduricalhos: os funcionários do Senado se tornaram motivo de piada em mesa de bar graças à sucessão de escândalos de corrupção provocada por uma minoria - Foto: Anderson Schneider

Alexandre Guimarães, 38 anos, é funcionário concursado do Senado desde 2004. Chefe da consultoria legislativa, recebe mais de 20 000 reais por mês, entre salário e vários benefícios. Mesmo bem remunerado, pensa em deixar o emprego. Ele conta que não convive direito com os truques armados pelos parlamentares e funcionários da Casa.

Como você chegou ao Senado?

Prestei concurso em 2002 e entrei dois anos depois de uma maneira estranha, no que ficou conhecido como "o concurso dos 40 do Pedro Costa" (Pedro Pereira da Silva Costa é filho de um jornalista maranhense e trabalha com Sarney desde a Presidência da República). Eu fui o 19º colocado num concurso para preencher apenas três vagas. De repente, chamaram quarenta. Tudo isso, soube depois, apenas para que um amigo do presidente Sarney conseguisse um emprego no Senado.

Havia necessidade de contratar tanta gente nesse concurso?

No começo, não tinha nem mesa para trabalhar. Era constrangedor. Eu ia lá todo dia, assinava o ponto, ficava enrolando um pouco e voltava para casa sem fazer nada.

O senhor já foi beneficiado por algum desses esquemas que vêm sendo denunciados?

Eu consegui autorização do Senado para ultrapassar o limite legal de endividamento pelo crédito consignado. Antes de passar no concurso, também trabalhei com o senador Gilvam Borges (PMDB), no Amapá, até descobrir que meu salário era pago pelo Senado, embora trabalhasse em uma rádio do senador. Quando soube, saí de lá.

Os concursos do Senado são disputados por milhares de pessoas...

Não vou negar que ganho bem, mas isso também acaba sendo constrangedor. Para começo de conversa, são três ou quatro contracheques por mês. O meu vencimento básico é 6.411 reais. Mas há as horas extras, gratificações, comissões e outros penduricalhos. Somando tudo, dá um total de mais de 23.000 reais. Em alguns meses, o salário bruto ultrapassa o teto do funcionalismo público. (Alexandre recebeu neste mês 32.364,62 reais, incluindo a primeira parcela do 13º salário.) É um jeito que encontraram de pagar mais aos servidores, mas de maneira torta. Vim da iniciativa privada e nunca me acostumei com isso.

Você tem orgulho de ser funcionário do Senado?

Atualmente tenho vergonha. Tirei férias no início do mês e fui visitar uns parentes. Foi duro chegar para a família e tentar explicar a todo mundo que eu sou diferente dessa imagem do Senado. Em Brasília, não posso mais sair com os amigos, porque virei piada em mesa de bar. Hoje em dia, qualquer proposta me tira do Senado, porque o desgaste não compensa.

Qual é o clima de trabalho no Senado atualmente?

É péssimo. Os funcionários sérios estão constrangidos por ter sido jogados nessa vala comum. E os desonestos estão desesperados de medo de ser pegos. Conheço uma pessoa que passou em um concurso de nível médio e hoje tem três mansões em Brasília. Agora está em pânico para vender o patrimônio antes que descubram as irregularidades das quais participou. Como ele, há muitos que participam de esquemas de corrupção.

Fonte: Otávio Cabral (Veja) e Fabio Rodrigues Pozzebom (ABR)

Conta de mentiroso

Heráclito Fortes divulga 663 atos secretos, mas esconde outros 737, inclusive aqueles em que aprovou gastos de R$ 700 mil do Senado

À moda dele - Heráclito: alinhado com a transparência só no discurso

O Senado Federal tem um dos mais altos orçamentos da República. Em 2008, a Casa consumiu dos cofres públicos - ou seja, do dinheiro de impostos pagos pelos brasileiros - R$ 2,7 bilhões. Só em salários e demais proventos para os dez mil funcionários foram cerca de R$ 2 bilhões.

Considerando-se que esse mar de recursos é gasto para justificar o trabalho dos 81 senadores, cada "excelência" custa ao contribuinte R$ 33 milhões ao ano. Mais grave é que não há a mínima transparência no uso desse dinheiro. No auge da crise que está sacudindo a Casa, foi revelada a existência de atos secretos para beneficiar parentes e gerar benefícios.

São decisões da Mesa Diretora que passam ao largo dos registros oficiais. Diante da denúncia sobre favorecimentos e mais de 250 nomeações irregulares, o primeiro secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), providenciou, em tempo recorde, a criação de uma comissão de sindicância. "Vamos ter todo o cuidado e a rigidez no sentido de apurar e punir os culpados", garantiu.

Com uma agilidade de fazer inveja à contagem de votos na eleição do Irã, a comissão distribuiu um relatório com 663 atos secretos, envolvendo 37 senadores. Tudo indicava que o Senado finalmente havia se rendido à necessidade de jogar luz sobre seus atos. Mas não foi dessa vez. O resultado é tão confiável quanto o do pleito iraniano. Diretores da Casa informaram à ISTOÉ que houve uma providencial triagem na divulgação dos atos secretos, cujo total chegaria a 1.400.

Heráclito teria divulgado apenas os atos administrativos. Entre as outras decisões, haveria despesas de R$ 700 mil autorizadas por ele mesmo entre 2005 e 2006, quando presidia o Grupo Brasileiro de União Interparlamentar. Portanto, Heráclito administrou uma meia transparência e torna-se, agora, um protagonista no escândalo. Heráclito nega que a lista de atos secretos seja maior do que a divulgada. "isso é uma molecagem, não assinei nenhum ato secreto. está cheio de casca de banana por aí", disse.

Na verdade, não interessa às "nobres excelências" abrir a caixa-preta do Senado. Afinal, a bilionária estrutura da Casa foi montada justamente para beneficiálos. Em 2008, por exemplo, os gastos com passagens aéreas somaram R$ 19 milhões, fortuna capaz de financiar várias voltas ao mundo. As diárias no País e no Exterior totalizaram R$ 1,3 milhão.

Outro dado que impressiona ao mergulhar sobre o Orçamento executado no ano passado é o total de dinheiro liberado para serviços médicos hospitalares e odontológicos: R$ 59 milhões. Há gastos individuais de senadores e respectivos parentes que ultrapassam meio milhão de reais. Trata-se de um descolamento total da realidade do brasileiro que precisa amargar horas na fila para tentar ser atendido.

E, em muitos casos, não conseguir. Os filhos dos parlamentares e assessores de gabinete também podem se dar ao luxo de dispensar o serviço de babá. Apenas para auxílio-creche foram repassados R$ 3,3 milhões. Em festividades e homenagens, que não têm outra função senão gerar dividendos políticos para os próprios senadores, o Senado torrou R$ 440 mil. Tanto dinheiro seria motivo mesmo de festa.

Também é de espantar o tamanho da folha salarial da Casa, chamada de "mãe" por parlamentares devido à generosidade na concessão de gratificações e horas extras. Só nos últimos seis anos, o Senado consumiu R$ 1,5 bilhão nas chamadas gratificações por exercício de função.

O valor é 50% maior do que os recursos destinados pelo governo ao programa Minha Casa, Minha Vida para construção de moradias. Para piorar ainda mais, os nossos senadores dão fartas demonstrações que continuam a confundir o público com o privado.

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Por exemplo, o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) usou parte da sua verba indenizatória para pagar serviços de segurança privada na Casa da Dinda, sua residência particular situada à beira do Lago Paranoá, que ficou famosa em 1992 pela suntuosidade durante o processo de impeachment. Gastou mais de R$ 10 mil dos R$ 15 mil a que tem direito com a empresa Cintel Service.

Collor alegou que a questão da segurança faz parte do apoio ao seu mandato parlamentar. Já o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), que chegou a ter oito parentes lotados no Senado, empregou dois funcionários ligados à Fundação José Sarney, sediada em São Luís. Um deles trabalha no gabinete do senador Lobão Filho (PMDB-MA), com vencimentos de R$ 7,6 mil, e o outro ocupou cargo na liderança do governo. "Ele faz um trabalho político para mim no Maranhão. Se o Sarney me pedisse, eu o liberava para a fundação", disse Lobão Filho.

Na verdade todos se locupletam com dinheiro que deveria ser aplicado em benefício público. São uma espécie de acionistas de um suposto Senado S/A. Um dos atos secretos da Mesa Diretora em 2005 elevou a verba indenizatória de R$ 12 mil para R$ 15 mil ao mês. O dinheiro deveria ser restrito ao exercício parlamentar, mas há registros de gastos abusivos com ligações telefônicas, restaurantes luxuosos e viagens de jatinhos.

O campeão de gastos com telefones, em maio, foi o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que cobrou um reembolso de R$ 5.606. Ele explica que viaja muito pelo interior de seu Estado e usa o celular para monitorar suas atividades parlamentares. Destaque no quesito luxo, o senador Adelmir Santana (DEM -DF) declarou gasto de R$ 546 no Fasano, um dos mais luxuosos restaurantes de São Paulo. Collor, de novo, gastou R$ 3.240 no restaurante Boka Loka, situado no Paranoá, periferia de Brasília.

O local é utilizado para refeições de assessores do senador e do próprio Collor. "Qual é o problema? Só posso comer no Piantella?", reage. A prestação de contas do deputado ACM Júnior (DEM-BA) mostra pagamentos de R$ 8 mil à empresa de táxi aéreo Abaeté. Sua justificativa foi banal: "Essa é a única empresa regular que faz o serviço na Bahia." O senador Valdir Raupp (PMDB-RO) investiu parte de sua verba no mesmo ramo. Pagou R$ 7,5 mil à empresa Rima Aerotáxi.

Um lado bom da crise do Senado é que a troca de acusações dos grupos políticos traz à tona uma série de desmandos cometidos nas últimas décadas. O DEM loteou a primeira secretaria da Casa e tem o poder sobre os principais contratos com as empresas terceirizadas.

O senador Efraim Morais (DEM-PB), que já ocupou o cobiçado cargo, é acusado de ter montado uma máquina política com 52 funcionários fantasmas. Mas no centro do escândalo está José Sarney e sua família. Na semana passada, o senador foi atingido por um verdadeiro petardo.

Sarney abatido - Simon pediu a saída do presidente antes que sua permanência no cargo seja "insustentável"

O jornal O Estado de S. Paulo divulgou que seu neto José Adriano Cordeiro Sarney é sócio de uma corretora que opera crédito consignado na Casa. Desde 2007, ele intermedia empréstimos com desconto em folha para servidores. O negócio que já movimentou R$ 26,9 milhões só no banco HSBC está sob investigação. A denúncia levou o senador Pedro Simon (PMDB-RS) a subir à tribuna para pedir a cabeça de Sarney.

"O presidente Sarney tem que se afastar. Deve se afastar desse processo para o bem dele, da família, da sua história e do Senado. É melhor deixar a presidência antes que a situação fique totalmente insustentável", bradou. Sarney saiu em defesa do neto, mas não esconde seu abatimento. Dizse vítima de "uma campanha midiática" porque apoia o presidente Lula e garante que não vai renunciar nem se licenciar da Presidência do Senado.

A crise, portanto, está longe do fim. E o Senado Federal sangra em praça pública, cada vez mais desgastado. "O Brasil precisa de homens públicos que observem a legislação da coisa pública. Precisa-se de seriedade e de propósito", afirma o ministro do STF Marco Aurélio de Mello, exprimindo uma preocupação de todo o País.


Fonte: Octávio Costa e Sérgio Pardellas (IstoÉ - colaborou Adriana Nicacio) - Fotos, Imagens e Gráficos: Agência IstoÉ

21 junho 2009

Curió abre arquivo e revela que Exército executou 41 no Araguaia

Até hoje eram conhecidos 25 casos de guerrilheiros mortos; relato do oficial confirma e dá detalhes da perseguição

Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, o oficial vivo mais conhecido do regime militar (1964-1985), abriu ao Estado o seu lendário arquivo sobre a Guerrilha do Araguaia (1972-1975). Os documentos, guardados numa mala de couro vermelho há 34 anos, detalham e confirmam a execução de adversários da ditadura nas bases das Forças Armadas na Amazônia. Dos 67 integrantes do movimento de resistência mortos durante o conflito com militares, 41 foram presos, amarrados e executados, quando não ofereciam risco às tropas.

Até a abertura do arquivo de Curió, eram conhecidos 25 casos de execução. Agora há 16 novos casos, reunidos a partir do confronto do arquivo do major com os livros e reportagens publicados. A morte de prisioneiros representou 61% do total de baixas na coluna guerrilheira.

Uma série de documentos, muitos manuscritos do próprio punho de Curió, feitos durante e depois da guerrilha, contraria a versão militar de que os mortos estavam de armas na mão na hora em que tombaram. Muitos se entregaram nas casas de moradores da região ou foram rendidos em situações em que não ocorreram disparos.

Os papéis esclarecem passo a passo a terceira e decisiva campanha militar contra os comunistas do PC do B - a Operação Marajoara, vencida pelas Forças Armadas, de outubro de 1973 a janeiro de 1975. O arquivo deixa claro que as bases de Bacaba, Marabá e Xambioá, no sul do Pará e norte do Estado do Tocantins, foram o centro da repressão militar.

DESCRIÇÕES

O guerrilheiro paulista Antônio Guilherme Ribas, o Zé Ferreira, teve um final trágico, descrito assim no arquivo de Curió: “Morto em 12/1973. Sua cabeça foi levada para Xambioá”. O piauiense Antonio de Pádua Costa morreu diante de um pelotão de fuzilamento em 5 de março de 1974, às margens da antiga PA-70. O gaúcho Silon da Cunha Brum, o Cumprido, entrou nessa lista. “Capturado” em janeiro de 1974, morreu em seguida. Daniel Ribeiro Calado, o Doca, é outro da lista: “Em jul/74 furtou uma canoa próximo ao Caianos e atravessou o Rio Araguaia, sendo capturado no Estado de Goiás”.

Só adolescentes que integravam a guerrilha foram poupados, como Jonas, codinome de Josias, de 17 anos, que ficou detido na base da Bacaba, no quilômetro 68 da Transamazônica. Documento datilografado do Comando Militar da Amazônia, de 3 de outubro de 1975, assinado pelo capitão Sérgio Renk, destaca que Jonas ficou três meses na mata com a guerrilha, “sendo posteriormente preso pelo mateiro Constâncio e ‘poupado’ pela FORÇA FEDERAL devido à pouca idade”.

Curió permitiu o acesso do Estado ao arquivo sem exigir uma avaliação prévia da síntese, das conclusões e análises dos documentos. Ele disse que essa foi uma promessa que fez para si próprio. Passadas mais de três décadas, a história da terceira campanha ainda assusta as Forças Armadas: foi o momento em que os militares retomaram as estratégias de uma guerra de guerrilha, abandonadas havia mais de cem anos.

“Até o meio da terceira campanha houve combates. Mas, a partir do meio da terceira campanha para frente, houve uma perseguição atrás de rastros. Seguíamos esse rastro duas, três semanas”, relata. “A terceira campanha é que teve o efeito que o regime desejava.”

Um dos algozes do movimento armado na Amazônia, ele mantém um costume da época: não se refere aos guerrilheiros como terroristas, como outros militares. “Em hipótese alguma procuro denegrir a imagem dos integrantes da coluna guerrilheira, daquela juventude”, diz. “O inimigo, por ser inimigo, tem de ser respeitado.”

Ele ressalta que, como um jovem capitão na selva, tinha ideal: “Queria ser militar porque queria defender a pátria, achava bonito. Alguns guerrilheiros tinham os mesmos ideais que nós. Mas nossos caminhos eram diferentes. Eu achava que o meu caminho era o correto. Eles achavam que o deles era o correto. Não eram bandidos, eram jovens idealistas”.

No livro A Ditadura Escancarada, o jornalista Elio Gaspari diz que “a reconstrução do que sucedeu na floresta a partir do Natal de 1973 é um exercício de exposição de versões prejudicadas pelo tempo, pelas lendas e até mesmo pela conveniência das narrativas”. E emenda: “Delas, a mais embusteira é a dos comandantes que se recusam a admitir a existência da guerrilha e a política de extermínio que contra ela foi praticada”.

MOTIM

Essa política de extermínio fica um pouco mais clara com a abertura do arquivo de Curió. Pela primeira vez, a versão militar da terceira e decisiva campanha é apresentada sem retoques por um participante direto das ações no Araguaia.

Curió esteve envolvido no motim contra o presidente Geisel (1977), no comando do garimpo de Serra Pelada (1980-1983), na repressão ao incipiente Movimento dos Sem-Terra no Rio Grande do Sul (1981) e à frente de uma denúncia decisiva no processo de impeachment de Fernando Collor (1992).

O arquivo dá indicações sobre a política de extermínio comandada durante os governos de Emílio Garrastazu Medici e Ernesto Geisel por um triunvirato de peso. Na ponta das ordens estiveram os generais Orlando Geisel (ministro do Exército de Medici), Milton Tavares (chefe do Centro de Inteligência do Exército) e Antonio Bandeira (chefe das operações no Araguaia). Curió lembra que a ordem dos escalões superiores era tirar de combate todos os guerrilheiros. “A ordem de cima era que só sairíamos quando pegássemos o último.”

“Se tivesse de combater novamente a guerrilha, eu combateria, porque estava erguendo um fuzil no cumprimento do dever, cumprindo uma missão das Forças Armadas, para assegurar a soberania e a integridade da pátria.”

O QUE FOI A GUERRILHA

Em 1966, integrantes do PC do B começaram a se instalar em três áreas do Bico do Papagaio, região que abrange o sul do Pará e o norte do atual Estado do Tocantins. A Guerrilha do Araguaia era composta por uma comissão militar e pelos destacamentos A, B e C.

Da força guerrilheira, 98 pessoas pegaram em armas ou atuaram em trabalhos de logística. Deste total, 78 foram recrutadas pelo partido nas grandes metrópoles brasileiras e 20 na própria região do conflito.

Entre 1972 e 1974, as Forças Armadas promoveram três campanhas na tentativa de eliminar a guerrilha - só venceu na última. A repressão contou com cerca de 5 mil agentes, incluindo homens das polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar e Civil.

O conflito deixou um saldo de 84 mortos, sendo 69 guerrilheiros ou apoios da guerrilha, 11 militares e 4 camponeses sem vínculos com o partido ou o Exército. Vinte e nove guerrilheiros sobreviveram às três campanhas.

Fonte: Leonencio Nossa (jornal O Estado de S. Paulo)

Soldados que combateram a guerrilha - Foto: Arquivo Hannah Arendt do Brasil