Leite adulterado
Polícia Federal recolhe amostras de duas marcas do produto em Ribeirão; perícia deve ficar pronta em 30 dias
ADRIANA MATIUZO
Gazeta de Ribeirão
adriana.matiuzo@gazetaderibeirao.com.br
Seis pessoas, incluindo um engenheiro de alimentos de Batatais, estão presas em Minas Gerais desde a última terça-feira por terem implantado um esquema nacional de adulteração de leite longa vida com substâncias prejudiciais à saúde, entre elas soda cáustica. A Polícia Federal determinou o recolhimento e a análise de todas as marcas existentes no mercado, em todo o Brasil. Ontem, duas marcas tiveram amostras recolhidas em Ribeirão.
Segundo a Polícia Federal, o engenheiro de alimentos Pedro Renato Borges desenvolveu uma técnica de adição de água oxigenada e soda cáustica no leite para melhorar a produtividade e burlar a fiscalização. A polícia acredita que a técnica permitia até mesmo o reaproveitamento de leite vencido.
Pelo menos duas cooperativas, a Coopervale, de Uberaba, e a Casmil, de Passos, foram lacradas por estarem empregando o método. Seus diretores foram presos e confirmaram a adulteração. Tanto eles quanto Borges podem ser condenados de quatro a oito anos de prisão por corromper, adulterar e falsificar substância alimentícia ou medicinal, conforme prevê o artigo 272 do Código Penal.
A investigação apontou que pelo menos duas grandes empresas brasileiras, a Parmalat e a Calu, compravam o leite produzido pelas duas cooperativas mineiras. De acordo com o delegado da Polícia Federal de Ribeirão Edson Geraldo de Souza, as oito caixas de leite recolhidas na cidade passarão por uma perícia. Segundo ele, a polícia divulgará os resultados assim que a perícia terminar, o que deve demorar cerca de um mês. A análise das amostras será considerada prioridade para que marcas que não apresentem problemas não sejam prejudicadas.
A Vigilância Sanitária de Ribeirão afirmou que não tomará nenhuma medida enquanto não houver a constatação de problemas no leite comercializado em Ribeirão.
Segundo o bioquímico Carlos Artério Sorgi, a única solução para a adulteração de leite é a fiscalização rígida do poder público e a divulgação das marcas problemáticas para que o consumidor possa escolher se continua comprando ou não determinada marca.
Em nota, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento informou que nem todas os clientes das duas cooperativas autuadas compram leite processado. Muitos compram leite cru refrigerado, o que diminuiria os riscos. A nota também informa que as indústrias que recebem o leite produzido pela Coopervale e pela Casmil são fiscalizadas e que poderão passar por uma nova inspeção. Caso sejam verificadas irregularidades, os produtos serão recolhidos e destruídos. O ministério diz ainda que o modelo de fiscalização periódica utilizado no Brasil é o mesmo na maior parte dos países do mundo e que o encontro de indícios de fraudes em duas cooperativas não significa que a qualidade do leite produzido no Brasil esteja comprometida.
A dona-de-casa Vanusa Santos disse ontem que ficou surpresa com a notícia de adulteração e que está com medo de consumir leite. "Sei que deve haver marcas boas, mas como nós, consumidores, vamos saber quais são?", questionou.
Produto brasileiro é um dos piores
O leite produzido no Brasil para consumo interno é considerado um dos piores do mercado mundial.
De acordo com o doutor em bioquímica da USP Ribeirão Carlos Artério Sorgi, a população não tem como se defender porque não existe uma forma caseira de testar a qualidade do leite. Pelo menos quatro técnicas de adulteração já são comuns no país. De acordo com ele, as substâncias são sempre usadas em escala pequena e, por isso, só causam danos, como a deterioração da parede intestinal, a longo prazo.
Sorgi afirmou a água oxigenada é utilizada para matar as bactérias quando a qualidade da produção não é boa. A medida é irregular porque a legislação brasileira permite o uso da substância apenas para a limpeza de equipamentos e não para a aplicação direta no líquido.
O uso do hidróxido de sódio ou soda cáustica vem na seqüência porque a água oxigenada torna o leite muito ácido. A soda é usada para equilibrar o PH. Segundo Sorgi, a soda também é proibida pela legislação brasileira e, normalmente, os fraudadores utilizam a aplicação em escalas pequenas de forma que não seja facilmente detectada pela fiscalização.
Outro recurso usado pelos fabricantes é o de aplicar sitrato de sódio, que impede que o leite se coagula quando já está vencido.
Por fim, as fraudes também incluem a adição do soro desprendido na fabricação de queijos no leite para fazer com que o produto renda de 20% a 30% a mais. O soro, que possui nutrientes, é usado porque aumenta o volume de leite sem chamar tanta atenção quanto à água.
Fonte: Gazeta de Ribeirão